Fortalecendo Trajetórias: mentoria em carreiras científicas para mulheres quilombolas
Fortalecendo Trajetórias: mentoria em carreiras científicas para mulheres quilombolas
Durante o segundo semestre de 2024, como parte das atividades de sensibilização do projeto de pesquisa “Mulheres Quilombolas nas Ciências: políticas de permanência e produção de subjetividades”, a Incubadora iniciou a implantação piloto Mentorias em Carreiras Científicas para Mulheres Quilombolas na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), conectando mulheres nas ciências de diferentes territórios quilombolas.
As mentorias buscam abordar temas estratégicos para empoderar, orientar e preparar mulheres quilombolas para uma jornada acadêmica. Como metodologia, adotam encontros periódicos e individualizados, sendo conduzidas por uma mentora quilombola que está em um nível acadêmico imediatamente superior ao da mentoranda. Assim, de acordo com a proposta, mestras acompanham graduadas, doutoras acompanham mestras.
Trata-se, ainda, de um trabalho de mentoria que considera afetos e conteúdos sem um enfoque tecnicista, conectando o cotidiano do fazer científico aos modos de vida e lutas negras quilombolas. Neste sentido, as mentorias buscam criar um espaço de acolhimento e intimidade entre mulheres negras quilombolas. Como argumenta bell hooks (2017, p. 199), em Ensinando para Transgredir: a educação como prática da liberdade, “achar a própria voz não é somente o ato de contar as próprias experiências. É usar estrategicamente esse ato de contar”.
Não há gravação das sessões realizadas, de maneira que se estabelece um território seguro ao qual apenas mentora e mentoranda possuem acesso integral ao que é abordado. Acreditamos que são necessários dois movimentos pedagógicos nas mentorias, um primeiro voltado para a relação que se estabelece entre mentora e mentoranda, e um segundo dirigido à difusão da experiência. Vale lembrar que ambos são atravessados por um forte sentido de pertencimento comunitário de maneira que nunca são individuais apesar de individualizados.
A proposta da mentoria é tecer um acompanhamento continuado, de 3 a 6 meses, com periodicidade quinzenal, visando promover acesso, permanência e a fixação de egressas quilombolas nas ciências. Para amplificar a difusão da experiência, a metodologia contempla a geração de vídeos voltados a mulheres quilombolas nas ciências gravados mensalmente pelas mentorandas participantes. Estes vídeos são também um dispositivo que fortalece a incorporação da dimensão comunitária na metodologia de modo que a casa sessão mentora e mentoranda sabem que trabalham para o engajamento das mulheres quilombolas nas ciências como um todo.
A programação das mentorias é realizada com suporte da supervisão, abarcando o detalhamento dos temas a serem abordados, leituras e outros suportes necessários. Caminhamos para que possamos ampliar o espaço reservado a textos e outros materiais bibliográficos que discutam a dimensão afetiva. Alida à representatividade que é essencial às mentorias, interessa-nos, também, a dimensão da presença de cada corpo-território em sua historicidade biográfica e coletiva.
Nos últimos três meses, a mentoria para mulheres quilombolas em carreiras científicas foi conduzida pela Mestra e Advogada quilombola Naryanne Ramos, egressa da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), quilombola de Vila Bela da Santíssima Trindade, sob supervisão da Profa. Dra. Dolores Galindo (UFCG).
A primeira mentoranda é a egressa da Licenciatura em Educação do Campo da UFCG, Maria Simone da Silva Santino, do Quilombo Caiana dos Crioulos, Paraíba, bolsista Apoio Técnico Nível Superior (AT-NS) do CNPq.
O relato que se segue, em formato de diálogo, escrito por Naryanne Ramos e Maria Simone Santino, reúne alguns dos principais aprendizados, reflexões e avanços promovidos nas sessões, destacando como a ciência pode ser um caminho de transformação biográfica e coletiva quando articulada aos modos de vida e às territorialidades quilombolas.
Como são os encontros?
Os encontros acontecem quinzenalmente, no formato online, e no decorrer do mês há o monitoramento por meio de diálogos pela ferramenta WhatsApp possibilitando uma aproximação maior entre a mentora e a mentoranda.
Foram abordados temas e habilidades estratégicos para construção de trajetórias acadêmicas sólidas e sensíveis aos modos de vida quilombolas, tais como: o que é uma carreira científica, habilidades de autoconhecimento e planejamento, ferramentas informáticas, desafios e oportunidades nas ciências, como se candidatar a uma bolsa de pesquisa e como elaborar um currículo acadêmico e uma carta de apresentação,
Por que mentorias de quilombola para quilombola?
A importância das mentorias realizadas de quilombola para quilombola está diretamente ligada à representatividade, conexão ancestral e cultural e à criação de um ambiente seguro e acolhedor.
Quando a mentora compartilha a mesma origem quilombola que a mentoranda, ela também se torna uma figura de representatividade e de presença, mostrando que é possível estar em espaços muitas vezes marcados por barreiras sociais e estruturais.
A mentora quilombola compreende profundamente os desafios, valores e vivências específicos das comunidades quilombolas. Essa compreensão permite que as orientações e estratégias sejam adaptadas à realidade da mentoranda, respeitando a identidade cultural e os saberes tradicionais.
As sessões da mentoria são construídas considerando a realidade da mentoranda, com suas especificidades, potencialidades e perspectivas de carreira científica. Nos próximos meses, continuaremos abordando temas essenciais, como: Redes de colaboração científica; Métodos para integrar saberes tradicionais e acadêmicos e estratégias de publicação científica para mulheres quilombolas.
Qual é o lugar do conteúdo e do afetos nas mentorias?
As mentorias fortalecem os laços dentro da comunidade científica quilombola, criando uma rede de apoio que vai além do desenvolvimento individual, contribuindo para o crescimento coletivo, estimulando o protagonismo quilombola em diferentes áreas.
A mentoria entre quilombolas promove a valorização dos saberes tradicionais, ajudando as participantes a reconhecerem o valor de suas raízes e a integrarem essas perspectivas aos seus estudos e carreiras.
Depoimento da mentoranda Maria Simone, quilombola de Caianas dos Crioulos, na Paraíba.
Minha mentoria iniciou em outubro, contendo um cronograma primordial que está sendo desenvolvido durante os encontros através de estudos referente ao desenvolvimento de carreira científica. Se pensando em propostas que podem ser criadas e desenvolvidas ao longo de todo processo de estudo e construção. Esse apoio de mentoria é fundamental no desenvolvimento e reconhecimento do caminho a seguir, pois é através desses passos vivenciados por alguém mais experiente no trajeto, que irá contribuir nesse período de familiarização educacional, abrindo novos olhares para seguir uma carreira. Podendo assim, optar por determinados caminhos nos quais seja possível integrar saber tradicional, quilombos e ciência. Além disso, a mentoria também dialoga com nosso cotidiano emocional fazendo refletir sobre determinadas questões e demandas a serem realizadas, semeando valores, paz e esperança durante os encontros. As temáticas trabalhadas também dialogam com as lutas de nossas lideranças para que estivéssemos trilhando essa jornada, e ainda com a missão e objetivos do INCT, possibilitando novos frutos para a produção de novas histórias de legado e resistência. Dando assim, a chance de ocuparmos nossos espaços constantemente. Nossa proposta de produção de tecnologias sociais para utilização no campo educacional é produzir vídeos que embarque e conceitue as temáticas estudadas, o que vem trazendo a importantância para a jornada científica/profissional, possibilitando eixos tradicionais que elenque tanto a trajetória educacional, como também a trajetória de uma jovem quilombola oriunda do Quilombo Caiana dos Crioulos, com as mudanças que têm surgido nesse caminhar, contendo os desafios, dificuldades e até mesmo os enfrentamentos de obstáculos que surgem no decorrer do processo. Com isso, a partir das mentorias, comecei a pensar em minhas metas para carreira de pesquisa e profissional, em médio e longo prazo, que querendo ou não, tem coisas que não conseguimos da noite pro dia ou de uma hora para outra.